quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A Vida

Não posso dizer que minha vida é sem sentido. De jeito nenhum. Eu consegui muitas coisas na minha vida: consegui fazer uma universidade e viver do trabalho que ela me deu (muita gente não consegue isso), namorei bastante na minha juventude, me casei, tive 3 filhos, sendo que um nasceu e morreu imediatamente após ser retirado do meu ventre, e me fez cair numa depressão 3 meses depois.
Aos 28 anos descobri um nódulo na tireóide. Lá fui eu para a mesa de cirurgia. Acordei mongol da anestesia, mas fiquei firme na chata recuperação. 6 anos depois, quando minha filha tinha 1 ano, descubro que aqueles nódulos da tireóide eram carcinomas papiliferos e apareceu uma metastase no pescoço. Lá fui eu pra outra cirrurgia. 3 anos depois, outra metastase no pescoço, mais uma cirurgia.
Anttes disso, em 1986, fui pela primeira vez realizar um sonho: conhecer New York e Miami. Estava em plena síndrome do panico, desenvolvida depois da perda do bebe em 1983. Mas fui assim mesmo, me sentindo insegura e tudo o mais. Conheci toda a costa leste americana de carro.
Em 1987 resolvemos aceitar a proposta do meu pai para construir uma casa de madeira no terreno dele em Itaipú.
Foi complicado porque uma de minhas irmãs não achou boa ideia e ficamos estremecidas por vários anos, desnecessariamente.
Em 1988 eu me mudei para a casa. Uma casa de Mickey, digamos assim. Lindinha.
O ano de 87 e 88 foram anos de muita reza, eu queria muito mais um filho. Em janeiro de 89, me descobri grávida e lutei para manter essa gravidez pois meu marido rejeitou absurdamente. Peitei e fui em frente. Ganhei uma filha e uma luz passou a brilhar dentro de mim.
Tudo que não consegui ser para Guilherme, fui para Luiza. Presente, participativa, paciente, tudo de bom.
A vida vinha bem, com seus altos e baixos de toda familia, as vezes o dinheiro escasso...às vezes o dinheiro brotava.
Em 1995 surgiu a grande oportunidade: conhecer Los Angeles. Minha cunhada estava morando lá e eu só precisava pagar a passagem e levar um dinheiro pra gastar. Fui com minha irmã e foi uma das melhores viagens que fiz. Foram 10 dias lindos, com muitos passeios e muita diversão. Me senti como se pertencesse aquele mundo.
Porem em abril de 97, apareceu um nódulo na mama esquerda. Corri para o medico e a cara dele não foi das mais animadoras. Mudei de médico e o diagnostico de cancer foi me revelado. Eu pensei: outro?
Fiz dezenas de exames, um em particular me traumatizou:> corebiopsia. Quase desmaiei. Mas fui em frente: cirurgia, quimioterapia, radioterapia, muitos vômitos, careca, usando peruca direto. Foram 4 meses de tratamento. Quando estava para acabar a radio,perguntei a mamãe se não podiamos passar meu aniversario em Los Angeles, mas dessa vez visitariamos San Francisco e San Diego. Deu tudo certo e eu, minha mãe,meu marido, Luiza e um casal de amigos viajamos para passar mais 10 dias.
Eu ainda estava meio exausta, mas estava com pique de conhecer outras coisas.Foi incrível.
Em 1998, conversando com meu oncologista, ele me convidou para dar uma palestra no Clube da Mama, no Hospital Santa Rosa. Dali pra frente, passei a frequentar o Clube até ele acabar, passei a atender pessoas com cancer. Eu pedi ao meu medico que me mandasse pacientes e que me deixasse ficar na clinica 1 vez por semana para ajudar os necessitados.
Em 2005, outra paulada: 6 nodulos no pescoço. Metastases da tireóide, só que dessa vez precisei tirar toda a glandula ou seja: mais uma cirurgia. Foi retrirados a glandula e os nodulos, esvaziaram toda a cadeia gangionar do pescoço. Depois dessa cirurgia, fiquei 2 dias no Barra D'or tomando iodo radioativo. Fiquei isolada num quarto chumbado, sozinha. Mas saí ilesa dessa.
Hoje ainda trabalho com doentes com cancer, ouço muitos casos. Pensava que estava curada, quando em 2007 apareceram recidivas em minha coluna e no meu fígado.Logo após o surto psicótico de minha mãe em março. Desbunde total, revolta, mas me convenceram a continuar "porque vc é guerreira, né?".
Ok, vamos para mais esta etapa.Administrar o tratamento e a psicose de mamãe.
Assim que essas recidivas apareceram, eu pensei: "vou morrer e não conheci Paris". Minha irmã falou: "de jeito nenhum, vamos dar um jeito". Em março de 2009, surgiu um comprador para um terreno do meu pai em Guarulhos. O terreno por estar invadido foi vendido por 25.000 reais. Dividimos o dinheiro e pronto, fui para Paris e Londres em 2 de maio de 2009. Mesmo com algumas dores, não perdi meu humor. Ri de tudo, aproveitei o maximo.
]á estamos em Agost de 2009, continuo em tratamento, continuo trabalhando e agora tenho que administrar a minha solidão. Os filhos estão encaminhados: o filho é jornalista do jornal O Dia e vai se mudar para o Rio. A filha faz faculdade `a noite, namora firme e sai praticamente todos os dias. E eu estou aqui, tentando suprir a carencia e não deixar a peteca cair,mas aí eu me pergunto: para que? O que me reserva o futuro? O futuro existe?